Em entrevista ao Em Foco, Arabelle Calciolari aborda os principais fatores que fazem com que suas aulas de inglês sejam tão significativas para seus alunos.
Arabelle Calciolari é professora de língua inglesa na EMEB Maria Angélica Lorençon em Jundiaí e ex-aluna da graduação em Letras do Unianchieta. Em setembro, ela ficou entre os dez finalistas do Prêmio Educador Nota 10, o maior prêmio na área de educação básica no Brasil. O Prêmio, criado em 1998, reconhece e valoriza professores do ensino infantil ao ensino médio, além de coordenadores pedagógicos e gestores escolares de todo o país.
O Em Foco realizou uma entrevista com a professora para entender como a sua jornada profissional vem mudando a vida de milhares de crianças de Jundiaí. Acompanhe!
Em Foco: Olá, Arabelle! Obrigada por aceitar o convite de conversar conosco. Conte para nós um pouco sobre a sua formação, os motivos que fizeram você escolher a carreira de professora…
Arabelle: Eu me graduei no Unianchieta mesmo. Eu achei que foi um curso muito significativo, já que eu aprendi realmente a dar aula no Unianchieta. Eu tive bons professores e não saí daí desamparada. Não aprendi só a Língua Inglesa, a literatura, eu aprendi a como dar aula, então isso foi muito importante para mim, porque quando eu comecei a lecionar eu me sentia totalmente preparada para aquilo. E eu escolhi ser professora justamente por uma paixão por livros, literatura, eu lia muito… No ensino médio eu tive uma professora de literatura muito boa, aí eu me apaixonei por literatura e resolvi fazer Letras por causa disso.
Em Foco: Há pouco mais de um mês você foi uma das finalistas do Prêmio Educador Nota 10. Conte-nos um pouco sobre o projeto “Os Beatles – seu tempo e sua história”.
Arabelle: Eu sempre trabalhei com projetos, nunca gostei muito de seguir só o material didático, porque parece que fica chato até para mim ficar só no livro, no automático, nem sempre você consegue trabalhar com a necessidade do aluno, então eu sempre trabalhei com projetos e sequências didáticas.
Criei esse projeto, porque tivemos uma capacitação em Jundiaí sobre música e a professora pediu para que levássemos uma música que a gente gostasse para as crianças. Aí eu lembrei que tinha um livro infantil sobre a banda e resolvi dar uma olhada no livro para relembrar algumas coisas. Quando li o livro novamente, percebi que falava sobre segregação, Guerra do Vietnã e foi aí que surgiu a ideia do projeto, porque, além das letras, seria possível trabalhar com o contexto histórico e social da época, o que é uma coisa que eu gosto muito de fazer também, já que eu acredito que a gente tem que trabalhar não só com a língua inglesa, mas com toda a cultura que envolve essa língua, um pouco da história e tudo o que seja relevante para as crianças, por isso criei o projeto.
Em Foco: Sabe-se que ainda há um certo distanciamento entre a realidade dos alunos brasileiros e a língua inglesa, seja ele demográfico, cultural e até mesmo por muitas crianças e adolescentes ainda não enxergarem um sentido concreto no estudo de línguas estrangeiras no ambiente escolar. O que você acredita que faz a diferença nas suas aulas para que essas barreiras sejam diminuídas?
Arabelle: Por um tempo eu também ficava me perguntando o que eu estava fazendo na sala de aula… Como eu trabalho com alunos de periferia que, às vezes, têm muitas dificuldades na língua materna, com contexto familiar muito difícil, eu ficava me perguntando o que estava fazendo ali. Eu já cheguei a quase me exonerar do cargo, eu fiquei bem mal, porque eu não via um motivo de estar ali.
Aí criei um projeto sobre Shakespeare para alunos do 3º ano, nessa etapa eles têm em torno de 9 anos de idade. E esse projeto fez tanta diferença na vida dos meus alunos, eles ficaram tão apaixonados pelo autor, eles queriam saber tudo, eles perguntavam muitas coisas, eles queriam ler muitas coisas.
Neste ano, 2019, já é o sexto ano que eu coloco esse projeto em prática e todo anos os alunos se apaixonam tanto por esse mundo tão distante, Shakespeare viveu em 1500, é um tempo tão longe e os alunos se apaixonam tanto…
Então, isso me fez ver que, realmente, o meu trabalho não é só com a língua. Eu não posso só ficar levando cruzadinha de cores, porque isso não vai fazer a menor diferença na vida deles. Eu não posso ficar levando só atividades de colorir, porque não vai fazer diferença para eles.
Eu tenho que ensinar uma língua viva. Quando tenho que trabalhar cores, por exemplo, que é o conteúdo que eu acabei de citar, tento trabalhar de uma maneira significativa, para que eles possam usar, para que eles possam falar sobre cores que gostam ou que não gostam e que, daqui a um tempo, eles aprendam outras coisas e possam ligar com o conteúdo das cores. Eu faço isso tudo por meio de atividades lúdicas, interessantes, significativas para a idade e realidade dos alunos.
Em Foco: Além do projeto Os Beatles – seu tempo e sua história, você poderia citar outros projetos que você já trabalhou em sala de aula e que obtiveram bons resultados?
Arabelle: Eu tenho esse projeto do Shakespeare, para alunos do 3º ano. Tenho uma sequência didática sobre lápis “cor de pele”, que é uma coisa que me incomodava muito aqui na escola quando os alunos falavam “me empresta o lápis cor de pele?”. É uma sequência didática que me dá muita felicidade também, eu vejo uma mudança significativa no comportamento das crianças. Outra sequência didática que eu tenho é sobre Edgar Allan Poe, voltada aos alunos do 5º ano. Eles gostam muito de mistério, terror, então eu uso um pouco desse interesse para explorar um pouquinho dessa literatura universal que é importante que eles conheçam.
Em Foco: O que você acredita ser essencial para aprimorar ainda mais as aulas de língua estrangeira nas escolas brasileiras?
Arabelle: Eu acho que tem muito professor de língua inglesa que não se encontrou ainda como eu me encontrei, dessa importância que a gente tem socialmente. Eu costumo falar que não existe nada mais burguês que falar uma língua estrangeira. E quando você ensina para uma criança de periferia uma língua burguesa, como a língua inglesa, você coloca ela em pé de igualdade com outros alunos, principalmente com alunos de escolas particulares que têm a oportunidade de aulas com menos alunos ou de fazer um curso fora da escola.
A maioria dos nossos alunos não vai ter acesso a um curso de línguas. Então, quando a gente tem uma aula muito boa, muito significativa, uma aula em que eles realmente estão aprendendo, a gente coloca eles sim em pé de igualdade com esses outros alunos, e é isso que os professores de língua inglesa precisam ver. Que a gente está aqui para causar essa mudança social, para que nossos alunos tenham condições de competir num vestibular e no mercado de trabalho com esses alunos de escolas particulares.
Em Foco: Para encerrar, quais são as suas dicas e orientações para quem quer seguir carreira como professor de língua estrangeira hoje?
Arabelle: O que eu oriento para os professores é primeiro amar a profissão. Se você está em dúvida, se você não sabe exatamente se é isso o que você quer, observe alguma aula, acompanhe alguma escola, porque o professor que não ama aquilo que faz não vai fazer a menor diferença na vida do aluno. E os alunos têm o direito de ter uma aula sensacional todos os dias do ano, têm o direito de ter boas aulas todos os anos.
E se você está desanimado ou não sabe se é bem isso o que você quer, você acaba fazendo com que aquele adolescente perca um, dois anos ou mais. Então, para ser professor, a gente tem que amar a profissão, amar o ser humano, porque a partir do momento que você entende que aquela pessoa ali é um ser humano e que precisa ser respeitada, muita coisa muda na sala de aula. Você passa a enxergar aquele aluno de maneira diferente, mesmo quando ele te agride verbalmente, mesmo quando ele se mostra desinteressado, aí você vai lutar para que ele te respeite, para que ele veja um sentido na sua aula.
É isso. É um pouco de amor, visão do futuro, respeito, de olhar para aquela pessoa tão pequenininha e, às vezes, tão abandonada. Tenho alunos que têm situações muito difíceis e que o único momento de alegria na semana é a hora que eu coloco uma música para eles escutarem, é a hora que eu leio alguma coisa para eles, é a hora que a gente assiste a uma historinha em inglês e eles se sentem importantes porque entenderam a historinha. É um pouco disso tudo.
Gostou da entrevista? Aproveite para saber mais sobre o curso de Letras!